Ana Paula Russo
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
Neste ano do centenário da Republica, neste espaço abordei a efeméride mais que uma vez (e já agora, abordei também um outro centenário, o da Revolução Mexicana). Com o findar do ano, terminam as comemorações. Pela minha parte assinalo este "fim" com um poema, de autor não identificado, que ilustra com limpidez o papel de cada um na batalha decisiva que conduziu à vitória de Republica e a parte que, a seguir à vítória calhou a cada um:
Canção de um "pé descalço" anónimo
Bati-me lá na Rotunda
Heroi eles me chamaram
Pouco tempo decorrido
Nesta prisão me encerraram
Meu coração abrasava
De amor pela Democracia
Odiando a Monarquia
Que tanto mal nos causava
A hora da luta esperava
Quando o peito se m'inunda
Duma alegria profunda
Ao ouvir dar o sinal
Desde o começo ao final
Bati-me lá na Rotunda
Do Povo o sangue correu
Assim como o dos soldados
Os chefes, esses, coitados
Nenhum deles apareceu
Quando o inimigo cedeu
É que ao Povo se mostraram
Foi então que proclamaram
Essa coisa da "Republica"
E ante a opinião pública
Heroi eles me chamaram
Fui heroi porque esqueci
Meu dever de escravizado
Descalço, roto, esfaimado
Os bancos eu defendi
Bem cedo me arrependi
Desse acto ter cometido
Com os doutores eu estava
Mas sem ilusões ficava
Pouco tempo decorrido
Com a "revolução" quem lucrou
Foram Camachos e Costas
Todos têm postos e "postas"
O Povo nada ganhou
Do antigo nada mudou
Só p'ra pior aumentaram
Reclamando seriedade
E em nome da Liberdade
Nesta prisão me encerraram.
Tu que dormes à noite na calçada do relento
numa cama de chuva com lençóis de vento
tu que tens o Natal da solidão do sofrimento
és meu irmão, amigo, és meu irmão.
E tu que dormes só o pesadelo do ciúme
numa cama de raiva com lençóis feitos de lume
e sofres o Natal da solidão sem um queixume
és meu irmão, amigo, és meu irmão.
Natal é em Dezembro
mas em Maio pode ser:
Natal é em Setembro
é quando um homem quiser.
Natal é quando nasce
uma vida a amanhecer.
Natal é sempre o fruto
que há no ventre da mulher.
Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
tu que inventas bonecas e comboios de luar
e mentes ao teu filho por não os poderes comprar
és meu irmão, amigo, és meu irmão.
E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
fatias de tristeza em alegre bolo-rei
pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
És meu irmão, amigo, és meu irmão
José Carlos Ary dos Santos
O Natal da minha infância não me traz gratas recordações. Filho de pais assalariados rurais que tinham oito filhos, numa tal família o Natal nunca poderia ser grande coisa. A minha mãe fazia das tripas coração para que uns chocolates fossem distribuídos pelos mais novos (os que ainda não trabalhavam e neste grupo estava eu). Brinquedos estavam fora de questão! Mas, nem em todos os Natais conseguia aquele feito - bastava chover abundantemente! Com chuva não se podia trabalhar. Sem trabalhar não havia salário, (jorna, era assim que chamavam à remuneração que recebiam) e comprar fiado, só o indispensável, era o lema da minha mãe.
Depois, havia o presépio na igreja e a árvore de natal na loja da Lucinda Pisco: Que deslumbramento! Íamos lá contemplar aquela maravilha várias vezes ao dia, eu e mais os miúdos da minha rua, o Jorge, o Fernando e o Chico, outras vezes eu com as minhas duas irmãs mais novas. Já pelos oito, nove anos, como não havia pinheiros na minha terra, ia ao campo de onde trazia um arbusto que se parecesse com o pinheiro e armava a nossa própria árvore decorada com pratas dos bombons e algodão a imitar a neve. Isto já era mesmo o Natal dentro de casa...
A seguir foi o Natal já como trabalhador (tinha dez anos!) e fora do seio familiar. Nestes não cabiam os chocolates, recebia da minha patroa um par de meias ou umas cuecas. Fora isso não acontecia mais nada. A filha da patroa armava a árvore de natal na sala de jantar mas nessa divisão da casa estava vedada a minha entrada, de modo que eu só conseguia ver a dita-cuja, à sorrelfa quando não havia ninguém por perto, abrindo uma greta da porta e espreitando - no meu entendimento não fazia nada de mal. Na casa dos meus patrões não havia consoada, havia rancho melhorado no dia de Natal, mas eu almoçava e jantava sozinho no mesmo sítio de todos os dias num canto atrás do balcão, tendo por companhia o som de um rádio marca Braun, se o humor do patrão o permitia. O meu trabalho era empregado de balcão numa loja de tudo um pouco: mercearia, sementes e adubos, taberna. Sempre a mesma coisa das sete às vinte e duas horas, sete dias por semana, trinta dias por mês, durante vários anos. Era um tempo em que nunca ouvi a expressão trabalho infantil, e contudo...
Como naquele tempo não havia método de concepção artificial - um filho só podia resultar de uma relação física Homem/Mulher - e José jurou "a pés juntos" que o filho não era dele, só uma conclusão se pode tirar: José foi corneado! Nunca saberemos com quem Maria se deitou!
A estória da imaculada concepção ou seja sem pecado, é, como diz o padre Mário de Oliveira, um grosseiro insulto a todas as Mulheres/Mães do mundo e de todos os tempos, uma vez que, segundo essa estória são pecadoras. Pensemos no caso...
O teu travo a madrugada
a erva-doce
O teu cheiro a madeiro
nos cabelos
O teu sabor a noite
a lua cheia
O teu odor a cravo
que se enleia
nas axilas brandas e vagueia
Entranhando-se doido
nos teus pêlos
Maria Teresa Horta
Esta foto foi tirada pelo João Luís, meu filho. Ao vê-la, veio-me à memória um texto do Sérgio Ribeiro publicado no Notícias da Amadora, ou na Seara Nova, faz muitos anos. O S.R. comentava aí, uma cena que lhe havia desagradado, em que o seu filho (ou filha), incentivado pelo avô, esmagava umas inofensivas formiguinhas. Desse texto retenho apenas essa parte, Já não tenho presente mais nada.
De facto as formigas são uns insectos interessantes (excepto aquelas que se introduzem na cozinha, invadem o açucareiro, a caixa da marmelada, o boião da geleia e do mel, etc.), socialmente organizadas, trabalhadoras, cada uma cumprindo rigorasamente a sua tarefa, e quando for chegado o momento entreajudam-se. São enfim um exemplo de camaradagem.
Curta e actual...
A avó diz para a neta:
-Eu, com a tua idade já trabalhava!
A neta responde:
-E eu, com a tua idade ainda vou estar a trabalhar...
(recebido por correio electrónico)
14 seguidores
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.