Malagrida foi um padre jesuíta italiano que rumou a Portugal, onde viveu nas boas graças da rainha Maria Ana de Áustria,teve, como é bom de perceber, uma vida influente. De Lisboa segue para o Brasil onde participa na construção de um quase império. Os interesses dessa construção vêm a ser postos em causa, com a criação pelo governo do Marquês de Pombal, da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão. Esta, e o famigerado Tratado dos Limites (entre Portugal e Espanha), dão origem a um conflito que chega mesmo ao uso da violência, em que a Companhia de Jesus apoia (e arma) activamente os indígenas, grandes vítimas do tal Tratado.
Conflito que terá sido a causa remota determinante para a expulsão da Companhia de Jesus, de Portugal e outros países europeus. E, provavelmente, não será alheio ao processo da Inquisição contra Malagrida, embora outros factos sejam invocados para o justificar, nomeadamente os célebres exercícios espirituais.
Depois de ter sido degredado para Setúbal, Malagrida acaba condenado pela Inquisição. A sua Execução constituiu um exercício de crueldade inimaginável nos dias de hoje.
O professor Daniel Pires, presidente do CEB - centro de estudos bocagianos - brinda-nos com uma soberba obra: Padre Gabriel Malagrida o Último Condenado à Fogueira da Inquisição, que apresentou no dia 23 de Março em acto público, na bela Casa da Cultura de Setúbal. De leitura fácil, é uma obra bem construída, resultante de uma competente, profunda pesquisa e consulta de documentos fidedignos, de resto, referidos na bibliografia, mostra-nos um homem nada flexível no pensamento e modo de estar na vida, austero, mas simultaneamente interesseiro e agiota em benefício, suponho, da causa Jesuíta. A sua fé assente num fundamentalismo cego, levou-o a atribuir o terramoto de 1755 a castigo divino - Deus castigou assim uma vida devassa das pessoas, um insuficiente respeito pelas regras da santa madre igreja.
Essa foi a sua tese, defendida convictamente, jamais admitindo causas naturais para aquela calamidade. Malagrida terá sido uma personagem controversa. Acabou vitima de crueldade atroz, em nome da sua religião. Um fim que, como qualquer ser humano, não merecia. Os tormentos da sentença e execução - excomunhão, deposição de suas ordens, amordaçamento, levado com baraço pelas ruas da cidade, morto por garrote, depois queimado na fogueira, suas cinzas recolhidas e deitadas ao mar para que não haja memória alguma - lembram o que, muitos séculos antes aconteceu a Hipatia, de Alexandria. Mais, tudo isto foi antecedido de uma prisão em condições deploráveis de sofrimento e negação de quaisquer direitos. A propósito destes factos, Daniel Pires refere o desabafo de Voltaire: "Juntou-se o excesso de ridículo e de absurdo ao excesso de horror".