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30
Set14

Marcas da Guerra Colonial - 3

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"Era uma guerra atroz, cortejo de ódios, fome, miséria de toda a ordem; ninguém ignorava os atrasos no desenvolvimento. As populações amedrontadas refugiavam-se no mato: por perseguição ou então por convicção.

Quando sabíamos o que se passava, intervínhamos. Não era verdade que a igreja estivesse calada. Estávamos calados uma bola! Não se sabia nada, era tudo filtrado pela censura e pela PIDE, os militares não abriam a boca, e depois é fácil acusar a igreja de conivente pelo silêncio. D. Custódio não sabia, era um ingénuo. Mas nós, em contacto no mato, denunciávamos logo que era possível. Um exemplo: o episódio de Massangulo, em Outubro de 1966. A tropa portuguesa cercou a aldeia, capturou oito homens e fuzilou-os à frente da população, acusados de pertencerem à FRELIMO. A seguir regaram-nos com gasolina e chegaram-lhes fogo. Depois, não permitiram que ninguém se aproximasse, para que as feras pudessem comer os restos.

Por incrível que pareça, um deles sobreviveu às balas e ao fogo, apesar de bastante queimado. O padre salvou-o na Missão e avisou-me logo: "senhor bispo, vamos ter problemas se eles descobrem isto". Falei com o capitão que comandou a operação. Disse-me ele, completamente hipócrita: onde é que isso se passou? Não sei de nada!... Declarou mais tarde que, apesar de serem turras, autorizava os funerais no local conforme pedia as famílias. Mas, ao contarem os corpos, repararam que faltava um. Quiseram então passar a Missão a pente fino. Mas eu já tinha munido os irmãos com uma carta que exibiram logo, não autorizando qualquer busca. O comandante da selvática operação leu e veio logo protestar comigo. Disse-lhe claramente: incidentes como este comprometem irremediavelmente a continuidade portuguesa nestas terras e junto de gente que jamais esquece ou perdoa!. Naquela região, os assassínios eram constantes: uma diabólica carnificina praticada pelas nossas tropas. Se mais não fiz ou denunciei, foi porque não sabia o que se passava noutras paragens.

D. Custódio era um caso à parte, um homem que acreditava piamente na PIDE e ouvia permanentemente o Governador Geral. Acima dele, o Cardeal Cerejeira não sabia nada. e o bispo de Madarsuma estava em Lisboa, desligado da realidade, e tinha pouco peso. Nesta perspectia, eu e o bispo de Quelimane, D. Francisco Teixeira, reagimos. E numa Conferência Episcopal conseguimos uma votação que retirou D. Custódio da presidência e elegeu D. Francisco. O governador Baltazar Rebelo de Sousa quando soube, ficou furioso.

A tropa portuguesa obrigava os homens nas aldeias a segui-los como carregadores e pisteiros. Eles, com medo - pois a FRELIMO viria a saber quem colaborava com os portugueses - recusavam, e eram barbaramente espancados. Quando tive conhecimento duma situação dessas em Messumba,perto da Missão de Nova Coimbra, logo na primeira oportunidade (...) verberei a actuação junto do brigadeiro. Declarei, alto e bom som, que, se queriam praticar arbitrariedades, que proclamassem o estado de sítio, pois Portugal ainda era um Estado de Direito. O general aproximou-se, deu-me razão, e disse ir tomar providências"

 

Afirmações de D. Eurico Dias Nogueira, que mais tarde veio a ser arcebispo de Braga, inseridas em Marcas da Guerra Colonial, de Jorge Ribeiro

28
Set14

À memória de Casquinha e Caravela, 35 anos depois

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Hoje 

nesta minha aldeia

vila do Escoural

as bestas vieram

As bestas roubaram

as vidas

de um homem maduro

do tempo da

minha infância

e de um jovem que

nem sequer

dezoito anos tinha

 

Eram gente da minha

gente Patrícios meus

Eram gente da nossa gente

 

Setembro estava no fim

O sol rodava já para o meio-dia

era entre as 11 e as 11 e meia:

E o dia guardava o calor

da terra que aquecia

 

Da CANTATA PRANTO E LOUVOR em memória de Casquinha e Caravela, de Filipe Chinita e Manuel Gusmão

26
Set14

Marcas da Guerra Colonial - 2

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"1968-1969. Era então um jovem alferes miliciano, oficial de transmissões do Comando de Agrupamento 2952, inicialmente estacionado em Mansoa, Guiné.

Poucos dias depois de chegar, em Janeiro as tropas do PAIGC, a que então chamavamos "terroristas", atacaram o destacamento de Jugudul, na outra margem do rio. O "inimigo" deixou ali um morto, a quem os nossos soldados cortaram os testículos e penduraram no arame farpado. O troféu de guerra foi profusamente fotografado. Perante este espectáculo, pouco edificante, o padre Mário de Oliveira, capelão do batalhão (mais tarde o famoso "padre da Lixa", preso pela PIDE/DGS), na missa das 6 horas da tarde, fez uma prática contra este acto selvático, o que foi logo mal interpretado por alguns oficiais do quadro, entendendo que a sua acção estava a desmoralizar as "nossas tropas".

Talvez este não seja um exemplo de crime de guerra, mas sim de desrespeito pela morte de um adversário, que decerto lutava por um ideal. Crimes de guerra, porém, ouvi-os contar muitas vezes, aos meus camaradas operacionais, onde sempre se destacavam aqueles que respeitavam os outros (alguns milicianos, como eu, mas também experimentados militares profissionais, como o major Fabião) e aqueles que se deixavam enfeitiçar pelo sangue das batalhas, infelizmente batalhas sem glória, numa guerra que se arrastou e que só terminou com o fim do regime."

Do depoimento de Luís Reis Torgal, inserido em Marcas da Guerra Colonial, de Jorge Ribeiro

 

Do caso relatado por Reis Torgal, fui contemporâneo. De facto, os autores pertenciam ao meu Batalhão (Caçadores 1912) e estavam aquartelados em Mansoa, onde fizeram a comissão a CCS (a minha companhia) e a Companhia de Caçadores 1686. As instalações do Jugudul, no caminho para Bissau, a muito curta distância de Mansoa, nessa altura consistia num deprimente abrigo cercado de arame farpado, onde permanecia um reduzido número de homens - uma secção reforçada. A população local, segundo estimativa militar, rondava as 900 pessoas. Certo dia, como "turista", fui ao Jugudul a convite do capelão, padre Mário de Oliveira, numa das suas deslocações para fins religiosos. Saliento a atitude corajosa e frontal do capelão face a actos macabros como o acima descrito ou relativamente ao colonialismo e à guerra que condenava liminarmente. Sem papas na língua.

Naquele tempo os militares que eram periodicamente deslocados para o Jugudul, pertenciam às Companhias de Caçadores 1420 e 1686, Cavalaria 1615 e Artilharia 1660. Em Janeiro de 1968 o destacamento esteve entregue à C. Caçadores 1686 e a flagelação do PAIGC ocorreu no dia 26 desse mês, durou cerca de 10 minutos e provocou 3 feridos ligeiros à tropa portuguesa. Da parte do PAIGC, admitiu a guarnição do destacamento que terá sofrido 5 feridos (não sei como o podem admitir...) e deixaram um morto no terreno, o tal que foi alvo da mutilação dos genitais.

  
Foto actual do capelão, padre Mário de Oliveira
24
Set14

Valter Hugo Mãe - João Magueijo

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Hoje, pus a leitura de jornais e revistas em dia. Passei ao lado da sujeira que tem sido o espectáculo chucha de Seguro e Costa e daquela outra, dos pagamentos da Tecnoforma ao deputado em exclusividade e "nosso" actual primeiro. Do que gostei, destaco:

"Não ler é não perceber mais de metade do que é a humanidade. Porque a memória mais complexa e profunda tende a ser apenas possível na palavra escrita"

Valter Hugo Mãe, em entrevista à revista do Montepio.

Do que não gostei, destaco:

 À pergunta "Então, não pensa voltar?" responde "Não, mesmo que tenha tido ilusões noutros tempos. Os que voltam são os que não têm oportunidade para ficar. Ou seja, a porcaria volta e quem tem qualidade fica lá fora."

João Magueijo, em entrevista ao DN.

Costuma dizer-se "presunção e água benta cada um toma a que quer". O sir Magueijo é um presunçoso e peras! Que tenha conhecimentos para questionar as teorias de Einstein, é uma coisa, outra a falta de respeito pelos outros. É caso para nos interrogarmos sobre  que serão para ele os portugueses que não estudaram no estrangeiro, quando considera porcaria os que o fizeram e, por alguma razão, regressaram ao seu país.

Ao Magueijo não fica bem pôr-se nos píncaros e bolsar tanto dislate.

23
Set14

Marcas da Guerra Colonial

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"A resistência existe sempre, desde que haja ocupação. As guerras coloniais foram, em si mesmas, crime contra os povos: guerra de opressão e ocupação depois que a luta do proletariado e dos povos fez a história, definindo novas realidades. Essas realidades, integradas pelo direito internacional, traçaram novos paradigmas éticos, nova moral, novos direitos na relação das potências com os povos, impondo em especial  a descolonização como imperativo categórico.

Como a guerra dos franceses na indochina e na Argélia, a guerra colonial portuguesa foi um crime contra os povos das colónias. No caso português, o crime foi também contra o nosso povo, cometido por um regime sem qualquer legitimidade democrática.

Os crimes de guerra de Portugal foram os crimes do regime fascista, dos seus governantes, dos seus próceres, daqueles que beneficiaram e enriqueceram directamente com a utilização da PIDE que prendia e torturava militantes cívicos e políticos e, indiscriminadamente, as próprias populações; com a imposição de leis que colocavam os africanos sujeitos a medidas racistas de descriminação, de escravatura, de deportação maciça, de massacre, tantas vezes "aconselhados" e "formados" por interesses imediatos de rapacidade. Muitos deles configuram crimes contra a humanidade."

 

Do depoimento do major Mário Tomé, inserido no livro Marcas da Guerra Colonial, de Jorge Ribeiro.

22
Set14

Oração de Vencido

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Já se esqueceram as nuvens.

A alegria voltou ao rosto das luzes

 

Os homens do campo

que poderiam ser meus irmãos

são agora estranhas sombras

formulando gestos.

 

Eu vou descendo os degraus da noite

com o passo marcadamente incerto

dos que não sabem perder 

                                        e perderam

 

Caminho em busca da renúncia

com flechas de vento

nas asas da derrota.

 

levo na cinza dos meus olhos

toda aquela angústia branca

que viceja na espuma dos meus medos

 

Por entre pedras e poemas

bêbado e só

eu vou cantando

 

                      a minha oração de vencido

 

José Bação Leal

19
Set14

Monumento às nacionalizações

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O monumento às nacionalizações (de António Trindade, Virgílio Comingues e Rodrigo Otero) implantado na Praça de Portugal (STB) construído pelos operários da Setenave, foi já aqui mostrado noutra ocasião. A presença de Setúbal na Festa do Avante deste ano, bem conseguida, teve como elemento principal esse monumento mostrado de forma desconstruída em que o quadrado azul se impunha com toda a sua força simbólica.
Alinhavei estas considerações depois de ler um texto de Manuel Augusto Araújo, publicado no Praça do Bocage. Partilho da indignação de MAA, quer no tocante à malévola plantação das palmeiras quer agora com a colocação de uma estrutura metálica de grandes dimensões, do MRPP, que oculta o monumento a quem chega à praça de Portugal vindo da principal entrada (norte) na cidade. A uma aberração seguiu-se outra.

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