Os poetas não morrem. Dizem algumas pessoas. Contudo, como qualquer ser vivente, os poetas morrem mesmo! O que diferencia a morte dos poetas da morte do chamado homem comum, que o mesmo é dizer mulher comum, é a Obra deixada, os seus poemas, marca indelével da sua passagem pela vida. Marca que vai continuar a ser lembrada, celebrada através dos tempos, porque Obra relevante. Já outros poetas que fizeram obra, todavia irrelevante, morrem e ninguém mais se vai lembrar deles. O que não morre após a morte física de um autor é a sua Obra.
Vem isto a propósito do finamento de Herberto Helder, aos 84 anos, um poeta maior da língua portuguesa, que usava a palavra como poucos o conseguem fazer. Um génio que nos deixou. Ontem foi lembrado por todos os seus amigos e admiradores. Junto-me hoje aos seus admiradores.
Quanto àquela máxima, os poetas não morrem, claro que percebo a metáfora.
Um poema cresce inseguramenteO
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da pose.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia das coisas.