«Foi com sacrifício que aceitei a tarefa de “rachar”. Foi o que mais me custou na vida», afirmou, visivelmente emocionado, António Tereso. Por indicação de José Magro, viveu juntamente com o inimigo durante dezanove meses. O objectivo era encontrar uma hipótese de fuga.
A ruptura com os seus camaradas – de que apenas um pequeno número de dirigentes sabia tratar-se de uma encenação – deu-se durante um almoço.
«Atirei com um prato de arroz à cara de um preso, mas ele, em vez de se virar a mim, começou-se a rir, o que me dificultou a tarefa.» De rompante, começou a esmurrar a porta gritando que queria sair daquela sala. Dezanove dias depois mudou-se para a «sala dos trabalhos». Até conseguir a transferência, ficou na sala com os seus camaradas. Esses dias, recordou, foram «muito difíceis».
«Eram todos meus amigos», confessou.
Começava assim o seu percurso de «rachado», ao serviço dos carcereiros. Tereso contou como conseguiu ganhar a confiança dos inimigos. Havia que esperar que «eles precisassem de nós. Foi essa a minha vitória». «Um dia chego ao pé do director, o Gomes da Silva, e disse-lhe: se precisar do carro lavado, eu lavo-lhe o carro», recorda António Tereso. O director concordou. Antes de trabalhar como motorista da Carris tinha lavado carros e fazia aquilo bem. «Ficou muito contente e ganhei um cliente», ironizou.
A confiança que ganhou foi tanta que chegou a conduzir o director fora da prisão e este deu-lhe permissão para ir ao seu gabinete sempre que necessário. Daí para a frente, recordou, os «carcereiros quando queriam alguma coisa vinham ter comigo para eu ir ver ao gabinete do director se ele estava lá. Eu tinha esta liberdade toda».
Também o guarda Lourenço, um PIDE reformado, foi conquistado pelo falso «rachado». Numa ocasião, ao lavar o seu carro, Tereso encontra um pequeno coração de ouro. «Depois de lhe lavar o carro, devolvo-lhe o coraçãozinho. Ele respondeu: “há dois anos que procurava isso, é da minha netinha”.». Após contar à mulher o sucedido, esta responde: «esse homem é sério demais para estar preso.»
A confiança era tanta que lhe é oferecido um lugar como motorista da PIDE, a ganhar 1 500 escudos. Tereso comunica o sucedido ao Partido. A resposta, recorda, foi «não há fuga para ninguém, agarra-me isso com as duas mãos». Faltavam três meses para sair em liberdade…
Um dia, passeava com o director pela prisão e depara-se com o carro, estacionado numa garagem. O desafio vem do próprio responsável da cadeia. «Há-de me pôr este carro a trabalhar», disse-lhe. «Quando ele me diz isso, eu esqueci os meses e a liberdade, esqueci tudo», lembrou. Nessa noite, comunicou ao Partido: temos fuga!