25 de Abril Sempre!
"Não, o 25 de Abril de 1974 não me apanhou como à grande maioria dos portugueses. Não foi a rádio surpreendentemente transformada em Rádio Liberdade, depois de ter sido Grândola o pontapé de saída; não foi o telefonema incrédulo de um amigo recebido reticentemente e terminado com risos ou lágrimas ou abraços que o telefone pode trocar; não foi o tropeçar, a caminho do trabalho, com a nova a correr de mão em mão, com gente a sair para as ruas diferentes, transmutadas, a começarem o parto de um país novo tendo a gravidez sido escondida ou disfarçada.
Na manhã do 25 de Abril de 1974 acordei na cela 44 de Caxias-Norte. Comecei nesse acordar mais um dia de prisão, naquela fase em que parece que nos puseram de salmoura, preparando-nos para interrogatórios, torturas e duras provas.
Como nas poucas manhãs anteriores, mas cada vez com maior economia de tempo e esforço, reencontrei-me e localizei-me. Sentia-me bem instalado, naquela cela com casa de banho acopulada, com duche e tudo, uma mesa de pedra, um armário, uma bela vista sobre o Jamor e uma réstia de Tejo. Que diferença relativamente a 1963 e 1964! Todas as manhãs me recordava dos "curros" do Aljube e das "casamatas" que, ali perto, deviam ser um amontoado de pedras húmidas, ratos e aranhas. E recordava também como. em Novembro de 1963 carregara os colchões dessas "casamatas" até estas celas, assim precariamente inauguradas, para depois nos transferirem rapidamente para o reduto Sul."
Sérgio Ribeiro "... porque vivi e quero contar"