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Jun25
Margarida Tengarrinha - um roubo que pratiquei hoje no FB
divagares
Margarida Tengarrinha, a menina burguesa que se tornou uma das mais marcantes comunistas da história
1.
A Margarida, que eu não conheci bem, morreu há quase dois anos – como o tempo passa tão depressa.
Estivemos juntos um par de vezes, sempre com outras pessoas e sempre com ela a falar do meu pai.
A Margarida é uma das grandes figuras da história do Partido Comunista Português. Não tanto pela resistência às torturas ou por exemplos de heroísmo nas prisões do salazarismo, mas sem dúvida pela coerência que teve nestes setenta anos, o tempo em que militou no PCP.
Setenta longos anos em que o mundo mudou sem a conseguir mudar a ela. Iniciou a sua militância no princípio da década de 1950 e em pouco tempo já estava na clandestinidade. Sempre corajosa, sempre artista no seu modo de ver o mundo, sempre disponível para fazer o que fosse preciso.
2.
Morreu há quase dois anos a Margarida Tengarrinha que nunca defraudou o seu partido.
Podia ter acontecido, e alguns dos seus camaradas achavam que seria inevitável pois a sua origem era fortemente burguesa.
E depois era artista.
Pintava.
Queria fazer exposições, representar o que tinha dentro.
Na clandestinidade nada podia ficar ao acaso, tinha de se confiar a cem por cento e a Margarida era mulher, artista e nascera burguesa – o Partido Comunista não podia arriscar se não tivesse cem por cento de convicção de que estaria à altura.
E confiou apesar de ser mulher (fisicamente mais frágil se fosse presa), apesar de ser artista (potencialmente mais volátil), apesar de ter nascido burguesa (potencialmente menos atreita ao sacrifício).
Apesar dos apesares desse tempo, confiaram.
3.
A Margarida Tengarrinha abdicou de uma carreira e de uma vida confortável para ser comunista.
Na clandestinidade, com o seu marido e pai dos seus dois filhos, José Dias Coelho, organizou casas onde se falsificavam documentos. Pelas mãos dos dois passaram uma parte dos passaportes, bilhetes de identidade, cartões de sindicato ou cartas de bicicleta “traficados” durante o Estado Novo.
A Margarida e o José Dias Coelho, também ele pintor, os dois sempre juntos e clandestinos, os dois sempre muito apaixonados até ao seu último dia, o dia em que o José (na clandestinidade o Fausto) saiu para tratar de um assunto em Alcântara e não mais voltou a casa.
Corria o ano de 1961.
José Dias Coelho seria assassinado à queima roupa pela PIDE.
E a Margarida, Teresa na clandestinidade, só saberia uns dias mais tarde, a 26 de dezembro, horas depois de um Natal que para ela se tornou sempre a data em que o “pintor morreu”.
A Margarida Tengarrinha partiu faz em outubro dois anos, tinha 95 anos, mais de sessenta depois do seu primeiro marido que Zeca Afonso imortalizou na canção “A Morte Saiu à Rua”.
4.
Não a conheci.
Só duas ou três conversas.
Infelizmente nunca lhe perguntei sobre as minhas curiosidades.
Os dias em que viveu em Moscovo, o trabalho direto com Cunhal na Rússia e na Roménia, o regresso à clandestinidade em 1968, a capacidade que teve para nunca ser apanhada, a relação com Carlos Costa com quem haveria de casar em segundas núpcias, o trabalho de deputada e os quadros que ficaram por pintar.
Vale a pena conhecer pessoas assim.
Gente que sacrificou tudo em nome de um ideal.
A Margarida que cresceu com duas criadas que a tratavam por “menina” e que nunca tinha mexido um dedo para fazer o que quer que fosse, não queria ser assim.
Desejava mexer com o mundo.
Mudá-lo.
Lutar contra as injustiças.
Comprometer-se.
Foi o que fez.
LO ) Luís Osório)