Paris: absolutamente condenável!
Os lendários arabistas do Departamento e Estado denunciam os planos árabes de conquista do mundo. Os pérfidos chineses, os indianos seminus e os muçulmanos passivos são descritos como abutres que assolam a "nossa" generosidade, e são amaldiçoados quando"os perdemos" para o comunismo ou para os seus próprios instintos orientais não regenerados: a diferença quase não é significativa.
Essas atitudes orientalistas contemporâneas inundam a imprensa e a mente popular. Os árabes, por exemplo, são vistos como lascivos venais montados em camelos, terroristas e narigudos cuja riqueza não merecida é uma afronta para a verdadeira civilização. A presunção de que o consumidor ocidental, embora pertença a uma minoria numérica, tem o direito de possuir ou de gastar (ou ambos) a maioria dos recursos mundiais está sempre a vir ao decima. Porquê? Porque o consumidor ocidental, ao contrário do oriental, é um verdadeiro ser humano. Não existe hoje melhor exemplo daquilo a que Anwar Abdel Malek chamou "hegemonismos das minorias ricas" e do antropocentrismo aliado ao eurocentrismo: uma classe média branca ocidental que acredita ser prerrogativa humana sua não apenas administrar o mundo não branco,mas também possuí-lo, apenas porque, por definição, esse mundo não branco não é tão humano quanto "nós" somos. Não há exemplo mais puro de pensamento desumano do que este.
É um fragmento que retirei de uma obra de Edwar Said, lançada em 1978, e publico a propósito do massacre (a todos os títulos condenável) ocorrido hoje em Paris. Enquanto fazemos o luto, não perdemos nada em reflectir mais profundamente nas causas que conduzem à barbárie. É elementar que se recuse, a pretexto de um acto extremista, a generalização do ódio ao "outro". E, antes de mais não devemos perder de vista que terrorismo é isso mesmo: terrorismo. Não há terrorismo mau e terrorismo bom (só porque é decidido aplicar a partir de cadeiras do poder ocidental, ao mais alto nível).